O culto a S. Jorge foi aprovado pelo papa Gelásio I, logo em 494, não obstante a rejeição dos teólogos do século V, e a classificação dos Actos do martírio e da Paixão como escritos apócrifos, no século VI. Tribuno militar romano, filho de pais cristãos, tradicionalmente oriundo da Capadócia (actual Turquia), S. Jorge acabará por se tornar numa das vítimas das perseguições anticristãs do imperador Diocleciano, sofrendo diversos martírios antes de ser decapitado, entre 290 e 303. Os restos mortais seriam sepultados na Lídia, onde o imperador Constantino mandou erguer um oratório para devoção dos fiéis. As origens orientais de Jorge de Anicii tornaram-no particularmente popular na Grécia e na Rússia (e consequentemente na Arte Cristã Ortodoxa). Com as Cruzadas, o culto estende-se a Ocidente, atingindo importância crescente, mormente pelo papel de patrono dos cavaleiros e militares, cuja bandeira (campo branco com uma cruz vermelha) se converte no símbolo de todos os cruzados. Progressivamente, torna-se patrono das repúblicas de Génova e Veneza, de cidades como Barcelona (e Catalunha), Pádua ou Moscovo, da ordem germânica dos cavaleiros Teutónicos, convertendo-se ainda no santo (e símbolo) nacional da Inglaterra (em substituição de Eduardo, o Confessor). A imagem cavaleiresca do santo, narrada pela Lenda Áurea, que luta contra um dragão (inspirada naturalmente na lenda clássica de Perseu e Andrómeda), em defesa de Sabra, uma princesa líbia prestes a ser sacrificada (identificada como a Igreja), difunde-se por todo o Ocidente (e depois por África e pelo Novo Mundo), preenchendo a imaginação popular e as gestas de cavalaria, até aos dias de hoje, numa simbologia da vitória da Fé (ou do Bem) sobre o Mal.
Na Península Ibérica, S. Jorge teve a forte concorrência de S. Tiago, com quem frequentemente foi associado. Contudo, sendo este último padroeiro do exército espanhol, S. Jorge acaba por se sobrepor. Por influência dos cruzados ingleses e alemães, tornar-se-ia num dos santos mais venerados pelos portugueses na Idade Média, após a conquista de Lisboa, sendo sob a protecção da sua bandeira que se colocarão os oficiais mecânicos. Durante o reinado de D. João I (com o apoio de Nuno Álvares Pereira, grande devoto do santo) conhecerá especial incremento, sendo eleito protector de Portugal na luta contra Castela, em substituição de S. Tiago (que se manteve como protector na luta contra os infiéis), e oficialmente declarado Santo Patrono de Portugal até 1640, altura em que é substituído por Nossa Senhora da Conceição.
Nuno Saldanha
Foto Mário Henriques Z. Cabeças