Uma das capelas laterais da igreja do Mosteiro de Santa Maria de Refoios é dedicada a Santo António de Lisboa. O destaque ao santo português não pode causar qualquer estranheza neste templo que pertenceu outrora aos Cónegos Regrantes de Santo Agostinho, ordem religiosa que o acolhera e o preparara, primeiro em Lisboa e depois em Coimbra, até à sua firme resolução de aderir ao movimento que São Francisco de Assis acabava de criar. Vemos, de resto, a sua imagem no altar, apresentando a indumentária de Cónego, sinal não só de que a sua primeira família religiosa não o esquecera como até se ufanava de nele ter lançado as primeiras sementes da fé.
Próximo do altar, dois painéis pintados, ricamente emoldurados com talha barroca, colocados em paredes opostas, lembram aos devotos dois dos acontecimentos milagrosos que a lenda urdiu em torno do santo: Santo António Livrando o Pai da Forca e o Milagre Eucarístico, também conhecido como o Milagre da Mula. São temas narrativos que encontraram forte expressão na iconografia portuguesa do santo, suplantados somente pelo celebérrimo Sermão aos Peixes.
O primeiro episódio remete para um dos dons mais extraordinários de António, que era a sua faculdade de surgir simultaneamente em lugares diferentes e distantes, a chamada bilocação. Conta a lenda que, encontrando-se António a pregar em Pádua e intuindo que seu pai, Martim de Bulhões, fora injustamente condenado à forca pelo homicídio de um homem, como que opera uma pausa no sermão e surge ao mesmo tempo em Lisboa para ressuscitar o morto, que imediatamente comprova a inocência do pai do santo. Após a libertação deste, António “regressa” ao púlpito em terras de Itália para terminar o sermão.
O painel de Refoios do Lima apresenta dois momentos do episódio. No plano superior, mais afastado, irrompe um cortejo de personagens que, após o julgamento, se estende em fila até junto do cadafalso aguardando o desenlace do caso, uma delas empunhando um estandarte de Nossa Senhora. No plano inferior, mais próximo, aparece o santo, abençoando e recuperando temporariamente a vida ao morto, que emerge do túmulo, no adro de um templo (alusão frequente à Sé de Lisboa, aqui sem qualquer preocupação de rigor de representação), perante Martim de Bulhões, figurado a pé, de casaco vermelho, e quatro juízes, de vara e a cavalo, que, a instâncias de António, vêm testemunhar as palavras do ressuscitado.
José Velho Dantas